Bem - querer

Casa de vó

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Refúgio. Segundo o dicionário é o lugar para onde se foge para escapar do perigo. É aquilo que serve de amparo, de proteção. Refúgio é sinônimo de segurança, de porto seguro. Nesse texto é uma palavra que é representada por cadeira de balanço, cheiro de vicky, rosa no jardim, uva e tapioca com café. Refugio é casa de vó. O santo lar da minha vó materna.

Cheguei à cidade do interior para passar o último natal. Voltar depois de tanto tempo me trouxe uma avalanche de sentimentos. A memória afetiva é mesmo algo curioso. Até o cheiro me fez viajar no tempo. O jardim onde eu e a minha irmã construímos incontáveis castelos de barro, a mesa da sala de jantar – cenário para o aniversário das bonecas – e a cama do quarto “lá de trás” que era palco para os meus shows. Sim, a criança que eu fui sonhava em ser cantora. Tudo ainda estava no mesmo lugar. Talvez, um pouco menor que a minha cabeça de menina tinha guardado. Mas, no fundo, tudo continuava do mesmo jeito. Até a presença dela.

Chorei de saudade. Saudade dela, saudade de quando eu era pequena e via aquele recanto com olhos de meninice. Saudade do tempo onde o picolé na calçada e o beijo na testa resolviam tudo.

Eu fui uma criança de muita sorte. A minha mãe me deu o maior dos presentes: tempo com a minha avó. As minhas histórias de crianças envolvem banho de mangueira, corrida de bicicleta e colo de vó. E, me desculpe, a minha vó era a melhor. Ela era uma mulher forte, com olhos mansos e cheiro de leite de rosas. A minha avó adorava rosas. Passava horas no jardim, cuidando das plantinhas.

Eu me lembro – com muito orgulho – de um livro de poesias que falava sobre rosas. Ela guardava na segunda gaveta da cômoda, entre os vestidos, perto da bolsinha com estampa de melancia. Todo dia, depois do almoço, a minha vó tomava banho e deitava na rede vermelha do quarto. Mas, antes, ela me chamava e lia um poema do livro de rosas. Com o tempo, eu aprendi a ler e passei a ler para ela o poema do livro de rosas. Tinha um sobre a rosa branca. Ela dizia que era eu. E cada neta tinha uma rosa. Nem sei se ela chegou a comentar isso com todas as netas. Porém, sempre que ela lia me dizia para quem era aquele poema.

Eu adorava conversar com a minha avó. Ouvir suas histórias. Lembro-me dela contando que quando tinha oito anos e  andou de carro pela primeira vez. Lembro-me dela falando sobre o exército ocupando a pequena cidade do interior. Do filho de fulana que entrou em um carro junto com eles e nunca mais voltou. Foi com a minha avó que eu aprendi a dormir tarde da noite. Entravamos madrugadas sentadas na calçada trocando histórias.

Minha vó me ensinou o valor da palavra afeto. Dona Inês, em sua simplicidade carregada de sabedoria, me disse que a gente endurece com a vida. Ela me segurou pela mão e mostrou que mesmo assim tínhamos que manter a cabeça erguida e a alegria. Ela dizia que quem tem sangue de sertanejo não abaixa a cabeça nem para seca. E nem se alegra por qualquer chuva.  Porém, segue sempre em frente.

Eu tenho orgulho de ser neta dela. Muito orgulho. Ela é minha protetora. E voltar a casa dela me trouxe as melhores sensações. Casa de vó é um monte de coisas boas. É, principalmente, um recanto de saudades. Eu aprendi na casa do interior que o tempo é escasso e passa depressa.

Minha avó nos deixou tem mais de dez anos. Apesar de que eu nunca enxerguei assim. Sempre falo dela no presente. Porque, para mim, ela nunca se foi. Eu converso com ela, peço ajuda e me desculpo pelos meus erros. Eu sempre penso o que ela acharia disso, o que pensaria. E, principalmente, se foi o que ela me ensinou. Eu aprendi que no refúgio da casa da minha  vó, os momentos devem ser sugados até a última gota, porque a lembrança do quintal cheio de seriguelas, do altar de santinhos e da cadeira de balanço na calçada é muito passageira, ainda que eterna.

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